13 setembro, 2014

Não quero ser a filha ingrata

Certas músicas nos deslocam. Foi assim que aconteceu com a música Horizonte Mãe, dos grupos musicais : O círculo e Ilê Aiyê. Duas pérolas da Bahia, que, graças ao mar que é a internet, eu pude mergulhar e encontrar. Conheci assim, quando assistia a um clipe no youtube, uma canção de Clara Nunes, e a música Horizonte Mãe apareceu ao lado como sugestão para ouvir. Não costumo muito atender as "investidas do youtube", mas me rendi e ainda bem! 

Horizonte Mãe não é só mais uma letra animada, ela contagia sim, mas é sobretudo, uma afirmação identidária de um povo, que se reconhece pela sua história e cor. Quem assiste ao clipe logo se depara com a questão de gênero, vemos mulheres absurdamente lindas, com sorrisos, gestos, costumes, erotismo, movimentos que dão luz à dança e a proposta do clipe, porém, no meu doce entendimento, estão elas representando a grande nação mãe: a África.

A África que muitas vezes deixamos à margem de nossas vidas, que  em tempos de Ébola, ganha destaque na mídia, e olhamos para ela como terra podre, com descaso e com pena. E que sentimento mais obscuro, essa coisa de sentir pena! Será mesmo que deveríamos sentir pena? Compaixão é diferente da pena. Pena era a África quem deveria sentir da gente. Mas ela é majestosa e de tão sublime não rejeita e não nega seu povo, muito pelo contrário, faz enriquecer seja na cultura, ou na cor, todas as suas gentes. Ela é o berço de todas as nações, a mãe guerreira que não negou leite ao seu filho branco. A mãe periférica que insiste lutar por dignidade. 

O Brasil é a segunda casa da mãe-África, e o que fazemos por ela? Maltratamos, matamos seus filhos mais legítimos por puro racismo e preconceito. É de uma desonestidade, maldade, ignorância, pequenez que fica difícil prolongar esse texto, que surge mais como uma contemplação do que senti ao ouvir a letra e assistir ao clipe. Da beleza que foi me deslocar para minhas raízes africanas, totalmente fertéis. 
     
O corpo da mulher-África é como um grito na hora do parto! Um misto de alegria e dor. Gritamos sempre em liberdade que ser África é ser bom!!! Somos todos filhos da mesma  mulher! Não matemos a nossa própria mãe que, a cada dia, chora por um filho que não sobrevive, que morre, ora sendo envenenado pela sua própria ignorância, ora sendo assassinado pelo racismo. A mãe África clama. O sangue que corre lá, corre na terra brasileira também. O lá  é aqui. E o aqui é lá. As fronteiras são construídas para que sejamos ingratos com ela e percamos a poesia da nossa própria identidade. Para que vivamos em guerra, perdendo a fé na humanidade, já que o Ocidente sempre nos ensinou que não somos todos irmãos.

Contemplemos: HORIZONTE MÃE

2 comentários:

  1. Você já leu a crônica do Agualusa "Luanda em São Paulo"? Discutimos essa temática , entre outras, nela. Vou postar aqui um fragmento de um dos parágrafos finais. "... O confronto entre a memória remota de África, que persiste em praticamente todas as regiões do Brasil, pelo menos a norte do Rio de Janeiro, e a absoluta ignorância do que é o continente nos nossos dias, deixa-me sempre perturbado. É como descobrir, no fim da vida, um irmão que partilhou connosco uma infância feliz, e que depois partiu para longe. Nós, em África, nunca deixámos de ter notícias dele. Ele nunca mais soube de nós. Ainda se recorda das canções que cantávamos, do tempero do calulu e do som do berimbau — mas já não sabe quem somos.(...)". É um lamento!! Comentei isso com ele, ele concordou. Também falou sobre isso na Aula,no dia 09? Lembra?

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  2. Ainda não li a crônica, preciso ler! Agora, a aula, como não lembrar? Ele foi pontual em tudo que disse. Penso em escrever sobre esse dia, fiz até algumas anotações que me deixaram intrigada. rs Beijoca!

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