24 fevereiro, 2014

agu(arde)nte

              A memória brinca com a saudade como a puberdade brinca com o corpo adolescente. A memória é descoberta. Quando menos se espera ela te surpreende. Lembranças de um passado que se faz presente. A saudade não dói, ela arde. Você assopra a fim de aliviar, levar pra longe. Ela permanece e você tenta curar com aguardente. Bobagem. A memória sempre brinca com a saudade. Camuflagem. Ao mesmo tempo que é, não é. A mémoria é descoberta. É desejo. Faz um estrago no tempo de um bocejo. É a primeira transa, as vezes sangra. 

cegueira

seus olhos são assustadoramente lindos
me faz querer enxergar o bonito da vida
aí o perigo, sou realista
cego-me para bonitezas e delicadezas
é um susto te olhar
um susto que não consigo sustentar

16 fevereiro, 2014

incrédula

atração é fome cega
que o meu
sexo
nega

sus peito

o que eu não sei e não quero saber suspeito que seja o mais bonito de mim
aquilo que o tempo guarda só com ele
que desnuda no descuido da vida
camufla as possibilidades entre o não saber nada e o sim saber tudo
e o saber tudo
é saber
nada
a peitar a vida
estou
o que eu não sei e não quero saber
suspeito

Domingo

                   As bonitas saudades gostam de chegar pelo domingo, quando a rotina pausa. Quando seu corpo já não aguenta mais o delírio dos afazeres diários e precisa voar para um descanso qualquer, porque sabe que tudo vai começar outra vez. Você desliga o computador, não quer assistir nem a TV, você deita em sua cama vazia que não foi arrumada e sente o cheiro da noite anterior. Só por hoje o mundo pára. No exato instante em que deita, sua mente viaja: pensamentos conflitantes, entre a cobrança de ter que levantar para adiantar a semana e a vontade de não fazer absolutamente nada. Você já não deseja mais pensar em nada, sentir nada, até que a memória traçoeira brinca com imagens da menina que caminharia com você até sua fase-mulher. E uma coisa que não consegue classificar, arde em você. Uma vida colorida dança em sua mente, um sorriso infantil te arrebata docilmente. Você agora consegue acreditar no eterno, e fecha os olhos. O reencontro com o passado é a forma mais estranha e inteligente que o ser humano tem para o conhecimento de si. A menina abraça a mulher, a mulher sente-se segura no pequeno espaço tempo irreal e tão real nos braços da menina. Abre os olhos. Resgata a menina, torna-se a menina. Descansou sobre uma vida inteira, aproveitou seu domingo e agora torce nostálgica pra que a semana seja acompanhada pela doce menina que a completou mulher. Parte do seu eu mais corajoso e majestoso. Um sentimento de glória paira no seu domingo e no seu interior. Revigora-se os sentidos para sustentar com pés leves um corpo pesado que, outrora, angustiado necessitava do êxtase por cinco minutos. Conseguiu muito mais, parou tudo, parou sua vida, ganhou vida, aliviou o presente. Bobeira cruel é querer apressar o futuro. Com tanta coisa pra fazer, o mais importante é não esquecer de ser. No fundo, no fundo, ela é uma mulher mais assustada do que atarefada, uma menina que precisa correr o mundo antes de virar fruta madura. O tempo não foge, tudo faz parte da ilusão que criastes para dar conta da mulher em você. Talvez o domingo seja feito para transbordar serenamente. Com a leveza de reconhecer-se inteira sem pressa alguma... Sem pressa alguma.

13 fevereiro, 2014

Cagando

                    Achar o que se escreve uma grande merda. Merda das piores, que não estão no vaso sanitário nem no planalto. Pura merda humana. Jogada a céu aberto. Na rua. Mais precisamente na sua calçada. Quem aqui chega e deseja o mínimo de decência literária não encontrará. Mas o fedor da merda que ofende e causa mal estar será o sentido maior da sua vinda neste espaço vazio, incompleto, sagrado. Quem muito não engole sapos tão pouco sente-se desconfortável com a merda alheia. Cago palavras o tempo inteiro pra não cagar a própria vida de merda. Eu gosto do cheiro cretino que a humanidade exaura e nem percebe. Não se dá conta porque acha que caga cheiroso. A merda do outro sempre será mais fedorenta, feia, vulgar. Escrevo porque não me esgotam os sentidos do meu léxico ignorante, violento, perverso, pervertido e libertino. Quem mê vê sorrindo, não me vê cagando, quem me vê escrevendo não me vê cagando, quem me vê cagando me vê parindo.
                  O que eu não escrevo, eu cago, porque o que escrevo é o que eu como, é o que eu bebo (e quanta merda a gente vai engolindo por aí mesmo sem querer), é o que o meu corpo faz caminho para o nascimento, não aborto de forma alguma, é o que eu não consigo vomitar. E o que fica do que eu escrevo? O cheiro fedido perdido no espaço. Incomoda mas depois passa.