07 outubro, 2014

Jornalismo literário? Não.

Mataram um menino

Enquanto estava assistindo à palestra sobre Cinema e Literatura no IFF, um menino morreu.
Estava em um espaço consideravelmente seguro. Estava feliz por ter a oportunidade de desfrutar mais um aprender. Mas ao ler a mensagem no celular:"Mataram um menino no ponto de ônibus, agora, em frente ao IFF", a palestra acabou para mim, ali. Não conseguia mais me concentrar, ainda que fizesse força para isso. Precisava saber quem era (precisava?). E se fosse um amigo meu? Um conhecido? Não conseguia mais prestar atenção em nada. Levantei rapidamente e fui procurar saber do fato lamentável.  Um burburinho na entrada do Instituto, muitos assustados, outros indo para a cena do crime, afinal, foi na lateral do IFF. Todos de alguma forma, comovidos, querendo alguma explicação. Mas como explicar a morte? Ela veio para aquele menino que eu nunca conheci e que, de forma absurda, me desestabilizou. Ele era estudante da mesma Instituição que estudo, essa era a nossa ligação, (a que tentei buscar para justificar o meu espanto) nosso ponto comum. Não. Nada disso. Nosso ponto comum era: somos humanos, somos mortais. E que bastasse estar vivo para tal tragédia. Sim, foi uma morte trágica, daquelas que choramos no cinema e na literatura. Um tiro atravessado pelas costas depois de um assalto. Menino jovem, cheio de sonhos, de expectativas, construindo seu futuro que não chegaria. Seu corpo estendido no chão e uma mala ao lado. Para onde ele iria? Não sei. Só sei que em qualquer lugar que ele esteja agora, não será suficiente para confortar a sua  família em luto, seus amigos tristes, a comunidade acadêmica angustiada. Mataram um menino. Acho que morri um pouco ali também. Morri também quando vi as fotografias dos supostos assaltantes que o mataram. Outros dois meninos, aparentemente, jovens. Meninos no crime, que, não apenas roubam celulares, dinheiro, qualquer coisa material... mas, com crueldade roubam vidas. Mataram um menino. E assim a gente vai morrendo aos pouquinhos. Há de se ter muita fé para se manter vivo, de pé num mundo cada vez mais desigual, injusto, caótico, absolutamente cruel e violento. "Mataram um menino" poderia ser mais uma ficção da literatura ou do cinema, mas não, foi a realidade me dando um soco no estômago, um tapa na cara.

A nossa sociedade encontra-se cada dia mais doente. Mataram um menino. Mataram um menino. E  o que me perturba é saber que outros mil ficarão estendidos no chão como ele... E outros mil assassinarão... Sem dó, sem piedade, sem esperança na própria vida.

Esse texto foi escrito no dia da cruel morte do estudante Deivison Wallace da Hora, 18 anos, estudante do Instituto Federal Fluminense (IFF/Campus Centro). Ele foi assassinado na noite de uma sexta-feira por dois homens que tentaram levar seu celular. Sobre a mala no local do crime: o menino estava indo para um retiro na Igreja. 

Logo após a publicação desse texto na minha rede social, facebook, mais de cem compartilhamentos foram feitos, todos comovidos. Não há nenhuma glória nisso. Só tentei traduzir e expressar em palavras o que senti. Os jornalismos da planície goitacá, famintos pelo "furo" da reportagem (a notícia dada em primeira mão, com exclusividade, por um jornal), esgotaram as possibilidades do sentir. 

Ainda bem que existe a arte da palavra, aquela que desautomativa o leitor pela linguagem, pela leitura, e, mais do que completar os vazios de uma obra literária pela leitura, o leitor pode completar os vazios da alma, seja pelo estranhamento, seja pelo reconhecimento do que o texto cria e plurissignifica. 



Muitas pessoas durante uma semana colocaram essa capa no facebook. Uma amiga pediu permissão para usar a frase do meu texto. Sem hesitar, autorizei. Mesmo quando não quero, estou fazendo política. E como não fazer? Se tudo é político, ora! Acredito muito na arte que propõe transformar a nossa realidade e se apresenta como denúncia. Que "o nosso Estado que não é nação" possa perceber que a hastag #PoderiaSerQualquerUmdeNós é URGENTE e falaciosa. Poderia ser qualquer um de nós, quando NÃO ERA PARA SER NINGUÉM.




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